Viçosa amplia fronteiras do agronegócio

Universidade, que faz 75 anos, se destaca na criação de tecnologia para o campo

O cientista que abriu caminho para a conquista do cerrado brasileiro, permitindo hoje o plantio da soja em 5,5 milhões de hectares na região Centro-Oeste do país, ocupa apenas 12 m2 do prédio do Departamento de Fitotecnia da Universidade Federal de Viçosa, em Minas Gerais.
Na sala acanhada, abarrotada de livros e sementes, o professor Tuneo Sediyama, 58, dá sequência a um trabalho iniciado há mais de 30 anos -desenvolver cultivares de soja adaptadas às condições de clima e de solo do cerrado. “Fiz isso a vida toda e me chamavam de louco”, lembra.
Na época -meados dos anos 60-, as terras do cerrado eram consideradas imprestáveis para a agricultura e não existiam variedades adaptadas aos solos de baixa fertilidade.
A pesquisa de Sediyama começou em 69 e prosseguiu durante o seu curso de doutorado na Universidade de Purdue (EUA), sob a orientação do professor Kirk Athow.
“As variedades existentes na época não cresciam devido à sensibilidade da soja ao fotoperiodismo. A maioria das plantas apresentava pequena estatura, o que impossibilitava a colheita mecanizada. Após uma série de ensaios, conseguimos driblar esse problema e chegar à variedade viçoja”, diz Sediyama.
De 70 para cá, Viçosa já desenvolveu 23 cultivares de soja para a região do cerrado, que ocupam hoje 500 mil ha, propiciando uma receita de US$ 250 milhões/ano.
O trabalho de melhoramento genético permitiu um grande salto na produtividade: de 1.661 kg/ ha, em 70, para os atuais 3.432 kg/ha, um ganho de quase 30 sacas/ha.
A contribuição dos pesquisadores de Viçosa para a ocupação agrícola do cerrado não se limitou ao lançamento de cultivares.
Merece destaque o trabalho do pesquisador Roberto Ferreira de Novais, professor da área de fertilidade do solo, sobre a ação do fósforo em solos tropicais.
“O fósforo para o cerrado é uma questão de vida ou morte. É o componente mais crítico ao crescimento de plantas em solos tropicais”, diz Novais.
A partir dos estudos de Novais, foram geradas técnicas para a utilização do fósforo como fertilizante nas terras do cerrado.
Essas pesquisas põem por terra um velho mito, segundo o qual a tecnologia de “construção” do solo dos cerrados, por meio de técnicas de fertilização e de correção da acidez, foi uma obra exclusiva da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária.
“Isso foi resultado de um processo do qual participaram vários cientistas, gente do Instituto Agronômico de Campinas, de Viçosa, da Luiz de Queiroz, da Embrapa e até de universidades norte-americanas, como Carolina do Norte e Purdue”, diz Novais.

Milho, pão de queijo e suco
A história de Viçosa, que completa 75 anos em agosto próximo, é marcada por tecnologias inovadoras.
Dos laboratórios da antiga Escola Superior de Agricultura e Veterinária saíram as primeiras sementes de milho híbrido produzidas no país.
Professor da escola, Antonio Secundino de São José trouxe dos EUA, em 1937, cem linhagens de milho, iniciando um programa de pesquisa de híbridos em Viçosa.
Tempos depois, em 1945, em sociedade com outros professores, Secundino criaria a Agroceres, pioneira na produção de milho híbrido no Brasil.
A tecnologia que transformou o artesanal pão de queijo mineiro em um produto industrial, que inclusive começa a ser exportado, foi gerada pela área de engenharia de alimentos de Viçosa.
“O pão de queijo tradicional é feito com o queijo minas artesanal. Para a sua produção industrial, em larga escala, houve necessidade de desenvolver novos tipos de queijo”, diz Cláudio Furtado Soares, diretor-presidente da Fundação Arthur Bernardes.
Criada em 79, a fundação fomenta parcerias entre a universidade e empresas públicas e privadas, além de administrar o laticínio-escola, que fatura cerca de R$ 1,5 milhão por ano com uma série de produtos que levam a marca Viçosa (leite, doce de leite, iogurte, queijos e manteiga).
“No início, a universidade formava profissionais para atender ao serviço público e à indústria. Entre 70 e 90, além de atender a esse mercado, assumiu também a formação de pesquisadores, criando a pós-graduação. Hoje, diante da escassez de empregos, estamos formando também empreendedores”, diz Soares.
Ele cita como exemplo o caso da Tial, que produz sucos de frutas. O processo que permite a conservação do suco em temperatura ambiente, sem a adição de conservantes, foi desenvolvido no Departamento de Tecnologia de Alimentos, a partir de um convênio entre a fundação e a empresa.
A Tial produz 700 mil litros por mês e exporta parte da produção para o Japão e os EUA.

Ninho de empresas
Um dos projetos da fundação é a incubadora de empresas, onde as idéias de alunos e professores podem se transformar em negócios lucrativos.
“A incubadora fornece às empresas nascentes apoio a baixo custo, como escritório, secretária, xérox, telefone e fax, estimulando a transferência das pesquisas da universidade às atividades produtivas”, explica Soares.
Hoje há oito empresas incubadas, entre elas a LabGene, laboratório de análises genéticas, a Millefolium, empresa que cultiva plantas medicinais e condimentares, e a Tecsam, que atua na área de saneamento ambiental.
A idéia da universidade, com o avanço da incubadora, é formar um parque tecnológico em Viçosa. “Queremos atrair para cá empresas que pretendam desenvolver pesquisas em conjunto com a universidade”, diz o professor Evaldo Ferreira Vilela, reitor da Universidade Federal de Viçosa.

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